Davyd Cesar Santos

domingo, 29 de janeiro de 2012

Por que os médicos erram.

CRISTIANE SEGATTO - 27/01/2012 14h01 - Atualizado em 27/01/2012 14h02

Por que os médicos erram

As armadilhas mentais que produzem diagnósticos enganosos

CRISTIANE SEGATTO

CRISTIANE SEGATTO  Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo. (Foto: ÉPOCA)
Errar é humano, mas o erro de alguns humanos é menos tolerado que o de outros. Com os médicos, é assim. Diante da preciosidade da matéria com a qual eles lidam, o mínimo equívoco pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Quase sempre os erros médicos são atribuídos à má qualidade da formação profissional, à carga de trabalho extenuante, à negligência ou ao excesso de confiança nas próprias habilidades. Existem, porém, outros fatores potencialmente fatais.
São falhas cometidas até mesmo pelos médicos mais bem formados, que trabalham nas melhores condições e que tem a clientela mais poderosa. Elas não são fruto apenas da má vontade, da pressa ou do descontentamento com as condições de trabalho.
Qualquer médico está sujeito a erros de julgamento. Nem os mais respeitados do mundo estão imunes a isso. Quem melhor abordou esse tema foi Jerome Groopman, professor de medicina da Universidade Harvard e brilhante escritor que contribui regularmente com veículos como The New YorkerWashington Post and New York Times. 
No livro How Doctors Think (Como os médicos pensam), Groopman faz um relato sincero e propõe um debate construtivo. Como aperitivo, reproduzo alguns trechos da obra e os principais aspectos que ela propõe. Em um dos capítulos, ele descreve quatro pensamentos comuns que levam os médicos a produzir diagnósticos errados. 
1) “Conheço este tipo de paciente”
O médico se baseia em estereótipos. Em geral, é influenciado pela aparência e pelo estado emocional do paciente
2) “Acabei de ver outro caso como este”
O médico é influenciado pela última experiência ou por um caso que o marcou muito
3) “Preciso fazer alguma coisa”
O médico decide agir rápido mesmo sem ter certeza da natureza do problema
4) “Adoro este paciente”
O médico tende a descartar a hipótese de uma doença grave quando gosta muito do paciente
Groopman conta o caso de Evan McKinley, um guarda-florestal forte e na faixa dos 40 anos, que certa noite foi atendido pelo médico Pat Croskerry. O paciente reclamou de dores no peito. Croskerry o examinou e pediu vários exames. Nenhum deles dava indícios de que o guarda florestal estava à beira de um infarto. O médico mandou o paciente para casa.
Na noite seguinte, quando chegou ao pronto-socorro para iniciar seu turno, um colega puxou conversa. "O caso do homem que você examinou ontem é muito interessante", disse o médico. "Ele deu entrada hoje de manhã com infarto agudo do miocárdio."
Croskerry ficou chocado. O colega tentou consolá-lo: "Se eu o tivesse examinado, não teria sido tão cuidadoso a ponto de pedir todos aqueles exames". Croskerry sabia que havia cometido um erro que poderia ter custado a vida do guarda-florestal. Por sorte, McKinley sobreviveu.
 "É claro que deixei passar", disse Croskerry sobre o infarto de McKinley. "Onde foi que errei? Não foi por conduta inadequada ou negligência. Num esforço de autocrítica, concluiu que seu raciocínio foi excessivamente influenciado pela aparência saudável do paciente e pela ausência de fatores de risco.
Groopman conta que Croskerry decidiu tomar uma atitude quando assumiu a chefia do departamento de emergência do Dartmouth General Hospital. Ficava impressionado com a quantidade de erros que os médicos sob sua supervisão cometiam. Fazia listas de equívocos e tentava agrupá-los em categorias. 
Alguns anos depois, começou a publicar artigos em periódicos de medicina, tomando emprestadas ideias da psicologia para explicar como os médicos tomavam decisões clínicas - principalmente as erradas - nas condições estressantes do pronto-socorro.
Essas decisões médicas implicam necessariamente uma grande dose de incerteza. Na maior parte das vezes, os pacientes não são conhecidos, e suas doenças são analisadas apenas a partir de pequenos intervalos de tempo e observação. 
Normalmente os médicos começam a diagnosticar o paciente logo que o vêem. Antes de começar o exame, interpretam a aparência dele: a coloração, a inclinação da cabeça, o movimento dos olhos e da boca, a forma como se senta ou fica em pé, o som da respiração. 
As teorias dos médicos sobre o que há de errado continuam a evoluir quando ouvem o coração ou pressionam o fígado. As pesquisas mostram que a maioria dos médicos já tem em mente dois ou três diagnósticos possíveis poucos minutos depois de entrar em contato com o paciente e que tende a desenvolver seus palpites a partir de informações incompletas. 


Os médicos, especialmente no pronto-socorro, muitas vezes precisam fazer julgamentos rápidos sobre como tratar um paciente com base em poucos sintomas potencialmente muito sérios. Um médico é treinado para supor, por exemplo, que um paciente com febre alta e dores fortes no lado direito da parte inferior do abdome pode estar com apendicite.
Ele imediatamente encaminha o paciente ao serviço de raios-X e entra em contato com o cirurgião de plantão. Fazendo uma retrospectiva, Croskerry percebeu que, quando viu McKinley no pronto-socorro, o guarda-florestal tinha uma onda de dor no peito que pode anteceder um ataque do coração, a angina instável. "Ela não apareceu no eletrocardiograma porque, em 50% desses casos, não aparece", disse Croskerry. 
"A angina instável dele não apareceu no exame de enzimas cardíacas porque ainda não havia dano ao músculo do coração. E não apareceu na radiografia do tórax porque o coração ainda não havia começado a falhar, então não havia líquido acumulado nos pulmões."
Segundo Groopman, o erro que Croskerry cometeu é chamado de erro de representatividade. Médicos cometem esse tipo de falha quando seu raciocínio é excessivamente influenciado pelo que acontece na maioria dos casos. Não consideram possibilidades que contradigam seus modelos mentais e atribuem os sintomas à causa errada. 
Croskerry disse que havia observado de imediato a constituição física do guarda florestal: a maioria dos homens na faixa de 40 anos em boa forma tem pouca probabilidade de ter doença do coração. Mais ainda, a dor de McKinley não era característica de doença cardíaca e os resultados do exame físico e dos exames de sangue não indicavam um problema de coração. 
Mas esse era exatamente o problema. A cabeça do médico precisa estar preparada para o que é atípico. Ele poderia ter deixado McKinley em observação e ter feito um segundo exame de enzimas cardíacas ou submetê-lo a um teste de esforço, o que talvez revelasse a origem da dor no peito. 
“A formação dos médicos não mudou substancialmente depois que Pat Croskerry e eu nos formamos”, escreveu Jerome Groopman. Médicos jovens ainda aprendem muito por meio da observação dos profissionais experientes de sua área. "Veja, faça e ensine" continua a ser uma máxima em escolas de Medicina. 
“O ideal que ela sugere - o médico como um ator frio e racional - é equivocado. Quando as pessoas se vêem diante da incerteza, situação em que todo médico ao tentar fazer o diagnóstico se vê, são suscetíveis a emoções inconscientes e parcialidades pessoais e têm mais chance de cometer erros”, afirma Groopman.
Croskerry resume a situação com muita lucidez. "Atualmente, na formação dos médicos, não reconhecemos a importância do pensamento crítico e do raciocínio crítico", diz Croskerry. "A noção implícita na medicina é que sabemos como pensar, mas não sabemos."
O livro de Groopman foi lançado nos Estados Unidos em 2007. As questões que ele levanta e as críticas construtivas que faz continuam atualíssimas. 
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
Fonte : Revista Época

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