Davyd Cesar Santos

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O simples inadimplemento não autoriza o cancelamento do plano de saúde


Como é sabido, o art. 13 da Lei 9.656/98 exige notificação prévia até o qüinquagésimo dia de inadimplência no caso de cancelamento, para os planos individuais e familiares, vale transcrever:
Art. 13.  Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
........................   II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) grifos nossos.
De início, impende ressaltar que, da leitura do artigo 2º da Lei 8.078/90, a empresa de plano de saúde é fornecedora e inegável e o contrato em questão deve ser examinado à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Demais disso, o contrato firmado entre as partes, é de fato, submetido à Lei 9.656/98. Seu artigo 13, II, dispõe que, para o cancelamento do plano, a notificação prévia do consumidor até o qüinquagésimo dia de inadimplência.
Não obstante, o que normalmente ocorre, é que o pagamento e recebimento pelo Plano de Saúde das parcelas vencidas após a parcela inadimplida, se mostra como ato contrario ao intuito da rescisão do contrato.
Ou seja, o plano de saúde que envia os boletos e recebe os pagamentos após a parcela inadimplida demonstra que não tem interesse em rescindir o contrato caindo por terra qualquer anterior notificação.
A emissão de boletos e recebimento das demais parcelas afasta a justificativa de cancelamento por atraso superior a sessenta dias. É ato incompatível com o intuito rescisório. A resilição de caráter abrupto coloca em risco a natureza do contrato, diante do desequilíbrio entre as partes e viola a boa-fé que permeia o vinculo obrigacional.
Tendo em vista o princípio da boa-fé objetiva, não se poderia tolerar o “venire contra factum proprium”, ou seja, a conduta contraditória da Empresa de Plano de Saúde que recebe as prestações do prêmio, vindo posteriormente a cancelar o plano, sob o argumento de que uma prestação antiga não havia sido paga.
Não prevalece, igualmente, a rescisão do contrato por suposta inadimplência, pois houveram pagamentos posteriores à parcela vencida, prevalecendo inclusive nesse ponto o disposto no art. 322, do Código Civil[1], segundo o qual a quitação das parcelas mais recentes presume estarem solvidas as anteriores.
A propósito, a jurisprudência do Tribunal é tranqüila neste aspecto, segundo se afere dos julgados que colaciono:
PLANO DE SAÚDE. CANCELAMENTO INDEVIDO. RECEBIMENTO DE PRÊMIOS POSTERIORES AO SUPOSTO CANCELAMENTO POR PARTE DA REQUERIDA. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇAO. DANOS MATERIAIS. INDENIZÁVEIS. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO.
Não vinga a alegação de cancelamento da apólice quando a seguradora continua a receber os prêmios do seguro, restando patente sua anuência com a manutenção do plano. Outrossim, para que haja a perfeita rescisão do contrato, mister seja o contratante cientificado a respeito do ato, algo que não ocorreu no caso em comento.
Os valores despendidos com consultas e exames que se encontravam englobados pelo plano são indenizáveis, à medida que devidamente comprovados no caderno processual.
Tratando-se de inadimplemento contratual, os danos morais apenas são admitidos excepcionalmente. Dessa forma, é dever da parte comprovar que tal inadimplemento gerou reflexos percucientes na esfera íntima do indivíduo para, somente nesse caso, ser reconhecido eventual direito à reparação pecuniária.  Assim, inexistindo tal prova, inexiste dano a ser reparado. (DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. Apelação Cível Quinta Câmara Cível Nº 70016822652 Comarca de Porto Alegre)
CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. ATRASO NO PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO. RECEBIMENTO DAS SUBSEQÜENTES. ADIMPLEMENTO DA PARCELA ATRASADA HÁ MAIS DE 60 DIAS. IMPOSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA A IMPEDIR COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. Tendo a ré recebido o pagamento das prestações do plano subseqüentes àquela inadimplida pela autora e posteriormente inclusive a própria prestação cujo atraso havia excedido há 60 dias (vencida em 23/06/05), não pode alegar tenha havido o cancelamento do contrato. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso Improvido. (Recurso Inominado, Primeira Turma Recursal Cível Nº 71000967539, Comarca De Porto Alegre)
SEGURO. CLÁUSULA DE CANCELAMENTO AUTOMÁTICO DO CONTRATO EM CASO DE ATRASO NO PAGAMENTO DO PRÊMIO. INSUBSISTÊNCIA EM FACE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE INTERPELAÇÃO. PAGAMENTO FEITO NO DIA SEGUINTE AO DO VENCIMENTO.
– É nula a cláusula de cancelamento automático da apólice (art. 51, inc. IV e XI, do CDC). Pagamento do prêmio efetuado no dia seguinte ao do vencimento; antes, pois, de interpelação do segurado (REsp nº 316.449-SP).Recurso especial não conhecido.(REsp 278.064/MS, Rel. Ministro  BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 20.02.2003, DJ 14.04.2003 p. 225).
O recebimento de parcelas em atraso, inclusive parcelas vencidas após 60 dias de inadimplência, é ato incompatível com a vontade de rescindir o contrato.
Embora as empresas de plano de saúde normalmente tente justificar que o contrato encontrava-se cancelado, em face da inadimplência de uma prestação, é irrefutável o fato que continuou a receber os valores dos prêmios, mesmo após a data do suposto cancelamento.
Diante de tal quadro, inexiste causa para a rescisão unilateral, a qual, na hipótese em exame, deve ser declarada a abusividade da cláusula de cancelamento.
Assim, o recebimento de parcelas em atraso, inclusive parcelas vencidas após 60 dias de inadimplência, é, logicamente, ato incompatível com a vontade de rescindir o contrato. Entende-se que o contrato primitivo firmado entre as partes não fora rescindido.
Diante do pagamento/recebimento das mensalidades subseqüentes, que demonstram o interesse na continuidade do plano, deve ser reconhecido o direito do segurado à manutenção do contrato.
Nesse sentido, confira-se o julgado extraído dos autos do Agravo de Instrumento nº 435.134-4/7, da 3ª Câmara de Direito Privado, que teve como Relator o Desembargador CAETANO LAGRASTA, conforme ementa a seguir transcrita:
“SEGURO SAÚDE – Tutela antecipada – Contiuidade do contrato – Rescisão por atraso que depende da comprovação de notificação clara – Ausência de prejuízo, ante a continuidade do plano com pagamento das parcelas – Tutela concedida mantida – Recurso improvido.” grifei

No mesmo sentido:
“SEGURO – Saúde – Plano Privado – Segurado inadimplente – Rescisão unilateral por parte da seguradora sem prévia notificação – Impossibilidade – Contrato que tem renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência e que só termina a por opção do consumidor – Violação aos arts. 51, § 1º, inc. II e III e 54, § 2º do Código de Defesa do Consumidor e 35, §4º da Lei 9.656/98 – Ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de dano moral procedente – Recurso Desprovido ( Apelação nº 486.137.4/5 – São Paulo – 3ª Câmara de Direito Privado – Rel. Dês. Antonio Maria – 17.04.97 – v.u.)”

Diante do pagamento/recebimento das mensalidades subseqüentes, que demonstram o interesse na continuidade do plano, e diante da ausência de notificação prévia, deve ser sempre reconhecido o direito do segurado à manutenção do contrato.
ZARATUSTRA, já pregava em meados do século VII. A boa deliberação, ou seja, uma boa reflexão a respeito de cada ação faz surgir uma responsabilidade social para colaborar com o projeto que Deus propôs ao mundo. Os seres humanos, portanto, possuem livre-arbítrio e são livres para pecar ou para praticar boas ações. Mas serão recompensados ou punidos na vida futura conforme a sua conduta.
Os principais mandamentos são: falar a verdade, cumprir com o prometido e não contrair dívidas. O homem deve tratar o outro da mesma forma que deseja ser tratado. Por isso, a regra de ouro do Masdeísmo é: "Age como gostarias que agissem contigo".



[1] Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.

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